quarta-feira, 15 de maio de 2013

Meu Nome É Gabriel



Meu nome é Gabriel. Minha mãe botou esse nome em mim porque dizia que era nome de anjo. Tinha esperança que ele me ajudasse em alguma coisa, acho que isso não aconteceu. Fui o primeiro filho de uma menina de 15 anos que não sabia soletrar a palavra prevenção. Depois de mim vieram mais quatro irmãos que ajudei a cuidar; na verdade nós cuidávamos uns dos outros, principalmente depois que nossa mãe morreu. Ela devia ter uns 23 anos mais ou menos. Quem cuidou de nós foi nossa vó; dividiu a pouca comida e e o vasto carinho que ela tinha em casa com seus netos prematuramente trazidos ao mundo.

Meu nome é Gabriel. Gabriel de Souza Barbosa. Eu, meus irmãos e minha vó moravamos em uma comunidade carente do Rio de Janeiro. Hoje ela tem uma UPP. Parece estar mais segura. Continua carente. Na minha época eu gostava de correr pelas vielas; soltar pipa; procurava figurinhas que os outros meninos perdiam pelo chão; e adora ver aqueles helicópteros enormes que voavam sobre as nossas cabeças. Geralmente eles vinham acompanhados de um cara com uma arma enorme na mão, isso me assustava um pouco, mas nada estrava aquele brilho voando no céu. Parecia um pássaro, mas com asas redondas.

Meu nome é Gabriel. Meu sonho era pilotar um helicóptero. Eu até tive um de brinquedo. Peguei emprestado de uma loja que tinha lá no centro, nunca o devolvi. Ele tava ali parado, não era de ninguém. Eu precisava dele e ele de mim. Minha vó não gostou muito da ideia; meus irmãos adoraram. Alguns anos depois ela adoeceu, e eu quis pegar em prestado alguns remédios na farmácia. Não deu muito certo. Fui preso, mas solto logo em seguida; era menor de idade. Minha vó não gostou muito, ficou um pouco chateada e chorou a noite inteira no quarto. Eu fiquei triste também, mas o que eu podia fazer? Os remédios eram caros. Eles estavam ali; eu precisava deles e eles não eram de ninguém.

Meu nome é Gabriel, na escola me chamavam de Biel, mas eu não estudei muita coisa, não. Tinha que cuidar dos meus irmãos. Com minha vó doente e já velhinha, não sobrava muito tempo para me dedicar a esse tipo de luxo que é o estudo. Eu era o mais velho e responsável por eles. Lá na comunidade me arrumaram um emprego. Coisa simples, fácil e que dava grana: só tinha que repassar para os mauricinhos que iam até lá uns pacotinhos que os caras me entregavam. Não tinha erro. Fiz isso por um tempo. Um bom tempo. Mas fui pego e preso pela segunda vez. Trafico de drogas. Nessa eu me dei mal. Já era maior de idade. Passei algum tempo preso e fui solto. Sai de lá outra pessoa; não muito melhor do que eu estrei. Pelo contrario. Lá aprendi tudo que não tinha aprendido até então. Sai praticamente formado.

Meu nome é Gabriel. Sai da cadeia, mas a cadeia não saiu de mim. Ninguém dá emprego para um negro, favelado e ex-presidiário. Minha vó e meus irmãos, não sei aonde foram parar. Tentei procurar eles por todo lugar, mas não tive sucesso. Tentei encontrar um pouco de consolo; um pouco de abrigo, mas o único lugar que me aceitou foi a rua. Preenchi o vazio que havia em mim com um tipo de cachimbo que te dá uma sensação boa; te leva pra outro lugar onde tudo parece ser apenas uma fantasia. Era bom. Eu gostava. Não passava um dia sem ir para o meu próprio país das maravilhas.

Meu nome é Gabriel.  Poderia ser João, Pedro, Ricardo, Marcelo, Felipe, Antonio, Gilberto, Francisco, Denis ou Carlos. Não ia fazer diferença. Nome de anjo não ajuda nada quando se vive no inferno. Meu nome é Gabriel, mas ninguém me chama mais de Gabriel ou de Biel. Virei o numero 52 de uma gaveta metálica onde eu durmo e durmo cada vez mais. Meu nome não é mais Gabriel, eu só sou estatística. 

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