Meu nome é Gabriel. Minha mãe botou esse nome em mim porque
dizia que era nome de anjo. Tinha esperança que ele me ajudasse em alguma coisa,
acho que isso não aconteceu. Fui o primeiro filho de uma menina de 15 anos que
não sabia soletrar a palavra prevenção. Depois de mim vieram mais quatro irmãos que ajudei a cuidar; na verdade nós cuidávamos uns dos outros, principalmente
depois que nossa mãe morreu. Ela devia ter uns 23 anos mais ou menos. Quem
cuidou de nós foi nossa vó; dividiu a pouca comida e e o vasto carinho que ela tinha em casa com
seus netos prematuramente trazidos ao mundo.
Meu nome é Gabriel. Gabriel de Souza Barbosa. Eu, meus
irmãos e minha vó moravamos em uma comunidade carente do Rio de Janeiro. Hoje ela
tem uma UPP. Parece estar mais segura. Continua carente. Na minha época eu
gostava de correr pelas vielas; soltar pipa; procurava figurinhas que os outros
meninos perdiam pelo chão; e adora ver aqueles helicópteros enormes que voavam
sobre as nossas cabeças. Geralmente eles vinham acompanhados de um cara com uma
arma enorme na mão, isso me assustava um pouco, mas nada estrava aquele brilho voando no céu. Parecia um pássaro, mas com asas redondas.
Meu nome é Gabriel. Meu sonho era pilotar um helicóptero. Eu
até tive um de brinquedo. Peguei emprestado de uma loja que tinha lá no centro,
nunca o devolvi. Ele tava ali parado, não era de ninguém. Eu precisava dele e
ele de mim. Minha vó não gostou muito da ideia; meus irmãos adoraram. Alguns
anos depois ela adoeceu, e eu quis pegar em prestado alguns remédios na farmácia.
Não deu muito certo. Fui preso, mas solto logo em seguida; era menor de idade.
Minha vó não gostou muito, ficou um pouco chateada e chorou a noite inteira no
quarto. Eu fiquei triste também, mas o que eu podia fazer? Os remédios eram
caros. Eles estavam ali; eu precisava deles e eles não eram de ninguém.
Meu nome é Gabriel, na escola me chamavam de Biel, mas eu
não estudei muita coisa, não. Tinha que cuidar dos meus irmãos. Com minha vó
doente e já velhinha, não sobrava muito tempo para me dedicar a esse tipo de
luxo que é o estudo. Eu era o mais velho e responsável por eles. Lá na
comunidade me arrumaram um emprego. Coisa simples, fácil e que dava grana: só
tinha que repassar para os mauricinhos que iam até lá uns pacotinhos que os
caras me entregavam. Não tinha erro. Fiz isso por um tempo.
Um bom tempo. Mas fui pego e preso pela segunda vez. Trafico de drogas. Nessa
eu me dei mal. Já era maior de idade. Passei algum tempo preso e fui solto. Sai
de lá outra pessoa; não muito melhor do que eu estrei. Pelo contrario. Lá aprendi tudo que não tinha aprendido até então. Sai praticamente formado.
Meu nome é Gabriel. Sai da cadeia, mas a cadeia não saiu de
mim. Ninguém dá emprego para um negro, favelado e ex-presidiário. Minha vó e
meus irmãos, não sei aonde foram parar. Tentei procurar eles por todo lugar,
mas não tive sucesso. Tentei encontrar um pouco de consolo; um pouco de abrigo,
mas o único lugar que me aceitou foi a rua. Preenchi o vazio que havia em mim
com um tipo de cachimbo que te dá uma sensação boa; te leva pra outro lugar
onde tudo parece ser apenas uma fantasia. Era bom. Eu gostava. Não passava um
dia sem ir para o meu próprio país das maravilhas.
Meu nome é Gabriel. Poderia
ser João, Pedro, Ricardo, Marcelo, Felipe, Antonio, Gilberto, Francisco, Denis
ou Carlos. Não ia fazer diferença. Nome de anjo não ajuda nada quando se vive no inferno. Meu nome é Gabriel, mas ninguém me chama mais de Gabriel ou de Biel.
Virei o numero 52 de uma gaveta metálica onde eu durmo e durmo cada vez mais. Meu
nome não é mais Gabriel, eu só sou estatística.
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