Eu ainda me lembro do dia em que fui receber o diagnostico.
Era um dia frio. Uma segunda feira daquelas bem feias, perfeitas para continuar
dormindo na companhia de um dele travesseiro e abraçado com um cobertor
aconchegante. Acordar cedo nunca foi uma das minhas qualidades e naquele dia
não foi diferente, acordei mais tarde do que o previsto. Tinha planejado tudo
na noite anterior, embora no meu subconsciente eu soubesse que de nada adiantaria,
tomei meu copo de café com leite para dar aquela despertada, efeito que nunca
surtiu e eu ia dormindo durante o trajeto para o trabalho, fosse metro, ônibus,
tinha dias que eu ia dormindo andando, como se fosse um zumbi em uma série apocalíptica
qualquer; peguei minhas coisas e fui saber qual era o resultado dos exames que
tinha feito na minha visita ao oftalmologista. A primeira em 57 anos.
Nunca fui fã de médicos ou qualquer tipo de médico, minha mãe
tinha que me chantagear para eu ir ao dentista e eu geralmente tinha medo
daquele tal de Zé Gotinha que parecia mais o Gasparzinho. Não havia nada de
errado em passar mal, ficar doente ou não funcionar direito às vezes, meu corpo
tinha dessas de se rebelar e embora minha visão não estivesse boa ultimamente
com certeza isso se dava por conta das minhas curtas noites de sono que
costumavam durar, no Maximo, cinco horas por dia. A verdade é que fiz eu exame
para agradar meus pais, como eu já havia feito na minha infância quando fiz catequese
e crisma contra minha vontade própria, ou quando fui visitar meus avós no
interior, já na minha adolescência. Depois de enfrentar um caos no transito de
São Paulo, pra variar, cheguei a clinica do medico que estava com meus exames.
Ele era japonês, ou chinês, ou coreano, nunca soube diferenciar os três e eu
tinha certeza que ele não era da Corrêa do Norte porque não havia me ameaçado
com uma bomba ou pedido dinheiro através de chantagens. Ele era bem carinho por
sinal. Mas, tudo bem, seria só aquela vez e eu nunca mais o veríamos mesmo. O consultório
era bem bonito, moderno e ele tinha um pôster do The Cure e um diploma da
escola de medicina da USP no outro. Muito curioso, e enquanto eu o esperava
falar comigo ficava imaginando o quanto era curioso e proposital um medico que
se formou pela USP ter um pôster de uma banda do The Cure, que traduzido ao pé da
letra significa A Cura.
O Dr. De olhos puxados se aproximou com o resultado dos
exames nas mãos, olhou-me fixamente nos olhos, embora fosse difícil para eu
saber se ele estava realmente de olhos aberto, e disse que não tinha uma notícia
muito boa. Prosseguiu dizendo que os resultados dos exames tinham detectado um
problema na pressão intraocular, que ela estaria elevada e isso teria
provavelmente desenvolvido glaucoma, doença que atinge o nervo óptico e envolve
a perda de células ganglionares da retina. Lógico que eu não estava entendendo bulhufas
do que o cara estava me falando e pedi para ele repetir de uma maneira mais
simples se quisesse que eu estabelecesse um dialogo. As próximas palavras dele
eu preferiria não ter entendido – Você está ficando cego.
A frase dele bateu na minha cabeça como um chute forte dum
um atacante estufa as redes aniversarias: bateu e foi caindo, escorrendo pela
rede como se quisesse ser abraçada e acolhida. Porem, ao mesmo tempo em que
levava o choque, dizia para mim mesmo que não era nada de mais e que aquela
autora o médico me indicaria alguma espécie de tratamento, operação, mais exames para que pudesse me
livrar de tal doença o mais rápido possível. Infelizmente, alguns ditados como,
por exemplo, tudo que é ruim pode piorar,
são verdadeiros e o mestre Miagui me disse que o quadro já estava muito
avançado, nenhum tratamento daria jeito e que tentar um operação, por mais
sofisticada que fosse, poderia apagar ainda mais rápido a luz da minha visão. Uma
engolida seca; uma desviada de olhar para o diploma na parece e depois para o
The Cure, foi isso que fiz a seguir; talvez estivesse perguntando para eles
onde estaria a cura agora. Apenas na minha banda, responderia Robert Smith se
pudesse.
Dr. Chen, sim, esse era o nome dele e provavelmente era chinês,
estava com a agenda lotada naquele dia. Recomendou-me ir para casa descansar e
marcou um dia em que teria mais tempo para me explicar sobre a doença. Disse
que eu não deveria ficar preocupado, que não ficaria cego do dia para a noite,
mas é fácil dizer isso quando se é uma pessoa que passou a vida inteira com o
olho 50% aberto. Nos despedimos e eu fui embora, meio atordoado...meio, não,
completamente atordoado, como se fosse um pugilista que levara um gancho de
direita do Muhammad Ali. Mal percebi o trajeto de volta, quando me dei conta já
estava junto a minha cama com os pensamentos vagando pelos arredores do quarto; todos os meus medos e aflições querendo sair de uma vez só pela boca; um olhar
que já não era mais meu perdido no teto, percebendo falhas, desníveis e rebocos
mal feitos que até então não existiam para mim. Eu não os veria por muito
tempo.
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