“Não deixe o samba morrer; não deixe o samba acabar; o morro
foi feito de samba, de samba pra gente sambar.”
Por muito tempo eu achei a afirmação de que todos os
brasileiros tinham uma gota de samba nas veias era ridícula e ingênua, já que nunca
fui fã do ritmo carnavalesco e me negava a escutar qualquer coisa que não
tivesse afinidade com meu gosto musical. Mas já há algum tempo ela começa a
fazer mais sentido, pelo menos para mim. Não que eu tenha me tornado um adepto
fervoroso do estilo musical, longe disso, mas não o vejo com tanto preconceito
como antigamente. Preconceito. PRÉ- conceito. Está ai uma palavra que deveria
ser abolida do vocabulário e comportamento humano, mas isso já é outro assunto
e para outro texto, vamos tocar o ritmo desse primeiro.
Deixe-me ir/ Preciso andar/ Vou por aí a procurar/ sorrir
prá não chorar...
Foram esses versos do sambista Cartola que me abriram os
olhos, ou os ouvidos, acho que é melhor dizer assim, e me fizeram perceber que
realmente, querendo ou não, existe um pouco do samba em cada brasileiro. Talvez
não no gosto musical, seria quase um crime dizer que uma pessoa que adora rock
também ama samba; nem todas as pessoas têm um gosto eclético ou a boa vontade
de escutar outros gêneros musicais assim, mas na maneira de levar a vida com
certeza existe. A ginga e a malícia do samba estão em cada brasileiro; o jeito
malandro do passista está em cada um de nós e em cada uma das caminhadas ao
longo da nossa própria avenida, que teimamos em fazer dentro do tempo e mesmo
depois de muitos e muitos ensaios, às vezes, o estouramos. Faz parte, serve de
lição para a próxima vez. O sorriso também é herança do samba, afinal você já
viu algum sambista triste? Eu ainda não e acredito que irei a um velório de
anão antes de isso acontecer. Alem disso, as únicas gotas d’água que vi cair do
rosto deles são de suor; ah, isso eles têm de sobrar, assim como energia, ou
talvez seja alguma formula mágica que o samba contém, vai saber... Eu acredito
em tudo. Se roqueiro faz pacto com o diabo, os sambistas podem muito bem fazer
pacto com a RedBull.
Quero assistir ao sol nascer/ Ver as águas dos rios correr/
Ouvir os pássaros cantar
Esse incessante querer tudo e todos; de abraçar o mundo que
há no carnaval, seja no sambódromo, nos blocos de rua, ou na festinha de
garagem da sua casa. Por que o carnaval é o carnaval? É a festa da carne –
dirão os mais radicais. Tá, mas e daí? Para o samba não importa se é a festa da
carne, do frango ou do bolinho de arroz; ele só quer se propagar, seja no
carnaval ou nos churrascos na laje, com aquele sol de 500 mil graus de
temperatura batendo na pele da morena que samba e samba, loucamente sem parar,
como se estivesse ligada em uma tomada de duzentos e vinte. Ele é o motivo para
reunir os amigos, para juntar a família; seja qual for o seu gosto musical, é
impossível não dizer que o samba é capaz de proporcionar coisas fantásticas
como essas; motivos suficientes para amar o samba.
Talvez o samba seja uma espécie de maldição dos brasileiros,
mas, deixe-me explicar: nem toda maldição é coisa ruim. Existem maldições que
nos ajudam a viver e talvez o samba seja uma dessas maldições que vem para o
bem, como foi a maldição da Fera, que serviu para despertar nela o verdadeiro
amor, aquele que não é sustentado pela aparecia, mas, sim, pelos significados
internos do ser; o samba pode servir para libertar os sentimentos internos das
pessoas, fazendo eles transbordarem em águas em seu rosto e sorrisos, sim, aquela mesma água e aquele mesmo sorriso citados anteriormente. Essa é a maldição do samba, meu rapaz, que faz o gringo subir no
morro e beber cachaça, como já diria o meu camarada D2 em um dos seus relatos
musicais.
Mas, afinal, o que quer o sambista? Ele quer nascer; quer
viver. Então, que assim seja. Começo a achar que o samba não fez só o morro;
mas a alma de todos nós também, pois o anel de bamba pertence a todos, mas
só usa quem merece.